Em Julho de 2006, estas eram as declarações de intenções do Governo para o apoio à habitação dos jovens:
«“Iniciativa Porta 65.Estado vai criar agência para fomentar o arrendamento habitacional”, in Público, 27 de Julho de 2006, edição on-line.
O Estado vai contratualizar casas para arrendar com proprietários públicos e privados para aumentar a oferta do mercado de arrendamento apoiado e incentivar a reabilitação, anunciou hoje o secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades.
A iniciativa, denominada Porta 65, numa alusão ao artigo 65º da Constituição Portuguesa, que consagra o direito de habitação, visa a criação de uma agência central que vai contratualizar este serviço e intermediar a oferta (dos proprietários públicos e privados) e a procura (dos candidatos a inquilinos).Os protocolos vão "estabelecer metas e objectivos" que facilitem a avaliação e fiscalização dos processos por parte do Instituto Nacional da Habitação (INH) e visam também dar "mais confiança" aos proprietários (privados, administração central e local), disse João Ferrão, citado pela agência Lusa."O objectivo é reduzir os riscos, criar segurança e garantir níveis de rendibilidade" aos proprietários interessados em disponibilizar fogos a esta agência, explicou Maria João Freitas, do conselho directivo do INH."Muitas resistências relativamente à colocação de casas no mercado de arrendamento surgem devido à cobrança de rendas. Desta forma, os privados têm a garantia de que enquanto disponibilizarem os seus fogos à agência terão uma rentabilidade fixa, independentemente da ocupação dos espaços", salientou.
Os candidatos a inquilinos vão estar sujeitos a critérios de prioridade que serão decididos em função das carências habitacionais demonstradas.Ricardo Bexiga, outro elemento do conselho directivo do INH, sublinhou que se trata de uma "nova filosofia de gestão" que pretende pôr fim à "lógica assistencialista" e envolve "uma maior responsabilização dos cidadãos".
Na prática, pretende-se que o serviço prestado aos inquilinos acabe quando terminem também as situações que originam a carência habitacional, como o desemprego, por exemplo.
A contratualização vai ser também descentralizada para agências locais (cooperativas, instituições particulares de solidariedade social e organizações não-governamentais) que farão a gestão de proximidade do parque de arrendamento. As Agências de Gestão e Intervenção Local (AGIL) serão responsáveis, entre outros aspectos, pelos trabalhos de manutenção nas casas e acompanhamento das famílias.
A iniciativa visa ainda, segundo João Ferrão, melhorar "a requalificação urbanística e travar a expansão urbana e a especulação imobiliária", apoiando a reabilitação.Os proprietários deverão pagar à Porta 65 uma taxa de gestão para aí disponibilizarem os fogos, mas recebem em troca a garantia do pagamento das rendas e a manutenção quotidiana.»
A realidade, porém, veio demonstrar que, afinal, o Governo pretendeu seguir outro caminho:
«Luísa Pinto, “Entra hoje em vigor. Apoios ao arrendamento Jovem limitam-se a metade da renda”, in Público, 3 de Dezembro de 2007, edição on-line.
O Governo já tinha anunciado que pretendia adequar os apoios públicos "a quem deles realmente precisa" e que iria terminar com as situações de abuso que verificava existir no extinto incentivo ao arrendamento jovem (IAJ). Com a publicação em Diário da República, na passada sexta-feira, da portaria que regulamenta o regime de apoio financeiro especial Porta 65 - Arrendamento para Jovens percebe-se como: com o estabelecimento de "rendas máximas admitidas" em cada região do país, com a criação de escalões e percentagens de apoio a aplicar ao valor da renda, e definindo a dimensão de agregado que é admitida para cada uma das tipologias de habitação.
Por exemplo: ao contrário do IAJ, que chegava a comparticipar 75 por cento do valor das rendas apresentadas (com o limite de 250 euros), o máximo que o Porta 65 comparticipa é de 50 por cento do valor da renda, apenas no primeiro ano dos apoios a conceder aos agregados colocados no primeiro dos três escalões agora criados.No preâmbulo da portaria ontem publicada o Governo justifica estas medidas com a necessidade de "impedir que as rendas possam ser inflacionadas" pelo facto de existirem apoios públicos e evitar que estes apoios sejam aproveitados por estratos populacionais de rendimentos elevados".
Assim, a Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) - o organismo que a partir de hoje irá apreciar as candidaturas, cuja apresentação pode ser iniciada na segunda-feira - deverá analisar as candidaturas, e hierarquizar os pedidos de apoio de forma a esgotar a sua dotação orçamental com a atribuição de apoios aos casos de maior necessidade: os rendimentos mensais baixos, a existência de menores dependentes ou de pessoas deficientes no agregado são alguns dos factores que servem para discriminar positivamente as candidaturas.
Uma das novas regras ontem conhecidas passa pela "arrumação" dos candidatos em três escalões de rendimento mensal bruto do jovem (ou do agregado) e a obrigatoriedade de este rendimento não ser superior em quatro vezes o valor da renda, nem ser inferior ao valor do arrendamento. A comparticipação estatal é concedida por um período de um ano, podendo ser renovável por mais dois, e será atribuída de forma decrescente. No primeiro escalão, os apoios vão de 50 por cento no primeiro ano até 25 por cento no terceiro, o segundo escalão oscila de 40 a 20 por cento e o terceiro de 30 a 10 por cento.A portaria define ainda a renda máxima admitida em cada zona do país; os maiores valores ocorrem nas áreas da Grande Lisboa, onde o T0/ T1 terá o valor máximo de 340 euros e o T4 / T5 os 680 euros.»
Com a passagem dos dias, a cobertura jornalística ia fazendo eco do carácter real que o Porta 65 comportava:
«Manuel Esteves; Leonardo Negrão (imagem), “Jovens inquilinos com mais de 2200 euros sem apoio do Estado”, in Diário de Notícias, Suplemento Economia, 3 de Dezembro de 2007, edição on-line.
O novo programa de apoio aos jovens inquilinos exclui do seu âmbito as pessoas que tenham rendimentos mensais superiores a 2200 euros. Este é o limite máximo e refere-se ao caso teórico extremo de um jovem que habite num T2 situado na Grande Lisboa e se candidate ao escalão de subvenção mais baixo (no qual o Estado apenas financia entre 10% e 30% da renda). Aquele limite baixa para 1360 euros se for um T1 e reduz-se muito noutras regiões do País: por exemplo, é de 1440 euros num T2 no Grande Porto ou na península de Setúbal e de 720 euros na região Minho-Lima. Por outro lado, para apoios superiores, até 50% da renda, o rendimento máximo que um jovem que viva na Grande Lisboa pode aferir é de 1375 euros.
O novo programa, designado Porta 65, associa os limites de rendimento ao valor da renda máxima, cujos níveis dependem, por sua vez, da localização e dimensão da casa. Em Lisboa, por exemplo, a renda máxima para um T1 é de 340 euros e para um T5, 680 euros. Estas indexações tornam extremamente complexo o novo regime, dificultando a comparação com o anterior programa, denominado Incentivo ao Arrendamento Jovem, do qual tiravam proveito cerca de 25 mil pessoas.
Em termos resumidos, pode dizer-se que o Governo corta a fundo no valor do subsídio, que passa de 75% da renda para 7,5% a 50%. Por outro lado, os apoios passam a ter uma duração máxima de três anos contra os actuais cinco anos. As restantes exigências estão associadas ao rendimento do candidato e à renda suportada. O IAJ apenas exigia que a renda efectivamente suportada pelo jovem (depois de deduzido o apoio estatal) fosse inferior a metade do seu rendimento.Agora, passa a existir uma renda máxima, cujo limite varia consoante a região do País e o rendimento do jovem não pode superar 2,5 vezes a renda máxima, para o escalão mais baixo, ou 4 vezes a renda máxima, para o escalão mais alto.
Finalmente, o novo programa impõe ainda regras de proporcionalidade entre o número de inquilinos e a dimensão da casa. Um agregado que tenha uma ou duas pessoas não pode arrendar uma casa com mais do que dois quartos (T2).Além de reduzir de forma significativa a despesa do Estado com este programa social, as novas regras têm o objectivo de o moralizar. O Governo entende que o anterior programa gerava o efeito perverso de inflacionar as rendas, convidando os senhorios a cobrar valores mais elevados, que depois eram corrigidos em baixa pelos subsídios estatais.»
E até com alguma ironia à mistura, se mostrou o irrealismo e as verdadeiras intenções do Governo, como neste caso:
«Pedro Santos Guerreiro, “Dar com o nariz na Porta 65”, in Jornal de Negócios, 10 de Dezembro de 2007, edição on-line.
Chama-se "Porta 65 Jovem", é conhecido como "apoio ao arrendamento jovem", foi publicado há dias e tornou-se uma piada trágico-cómica. Dela riem-se os que não precisam daqueles apoios; perante ela pasmam todos os que, precisando, não conseguem alcançar esse apoio, que são... bem, praticamente todos.
"Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar." É isto que a Constituição da República Portuguesa consagra, no seu artigo 65º, a que a portaria agora publicada se foi inspirar para a sua própria identificação.
Mas se o nome é feliz, nada mais o é. Porque os subsídios têm regras tão inverosímeis e filtragens tão irrealistas que vão permitir que o Estado poupe mais do que previa com esta revisão: face aos apoios de 65 milhões dados em 2006 será facílimo reduzir para nova dotação de 12 milhões de euros por cada fase de candidatura. Provavelmente, nem a dúzia conseguirão adjudicar.
Basta olhar para os exemplos. Na jovem cidade de Braga, só há apoios para um T1 que seja arrendado até 180 euros por mês. Talvez o legislador nunca tenha ido a Braga, mas se fosse saberia que um quarto de estudante custa bastante mais do que isso. Só há duas hipóteses de cumprir o limite: ou o imóvel tem defeitos que o tornam impróprio para consumo, ou a renda declarada é falsa, com parte do pagamento feito debaixo de mesa.
Mas vamos a Lisboa, onde o apoio é o mais alto do País.
Na Capital, o subsídio máximo é de 340 euros para uma casa arrendada até 680 euros mensais, desde que se trate de um T4 ou T5 e que o arrendatário partilhe esse T4 com mais três a cinco pessoas ou o T5 com pelo menos mais seis inquilinos. Bom, como o secretário de Estado João Ferrão até trabalha em Lisboa, não serve a desculpa de que o legislador pode nunca ter ido à Capital. Talvez saia pouco do seu gabinete...
Mais valia o Governo lançar um concurso e entregá-lo à Santa Casa da Misericórdia. O concurso chamar-se-ia "Totorendas" e receberia o prémio quem encontrasse um T4 ou T5 em Lisboa por renda mensal inferior a 680 euros. O concurso seria um sucesso, até porque as probabilidades de encontrar o dito imóvel seriam quase as mesmas de acertar no Euromilhões.
Ironias à parte, é difícil encontrar razões para um diploma tão irreal. Sobram duas: ou os apoios ao arrendamento jovem são para acabar e não houve coragem para assumi-lo; ou quem se sentou atrás da folha de Excel vive noutro planeta. Se olharmos para a redução do orçamento para 12 milhões, pensaremos que é a primeira; se percebermos que nos pressupostos do cálculo das rendas se ponderou o "stock" de rendas do INE (que agrega milhares de rendas "pré-congeladas"), recearemos que será a segunda.
Este "Porta 65 Jovem" foi criado para pôr fim a abusos que antes existiam e limitar disfunções que foram detectadas a seu tempo pelo Tribunal de Contas. Mantendo o objectivo de promover a emancipação dos jovens e permitir-lhes sair de casa dos pais, a portaria quis abranger mais gente e ser mais selectiva. Dificilmente abrangerá mais gente, pelo menos nos grandes centros urbanos. Mas será com toda a certeza muito mais selectiva. Candidata-se mesmo a ser o subsídio mais selectivo do País. Até se contarão pelos dedos...»
De facto, só mesmo pela probabilidade mais ínfima será possível cumprir todos os requisitos necessários para obter apoio estatal no Programa Porta 65...